
QUEM FUI? O QUE FUI?
O QUE SOMOS?
NÃO HÁ RESPOSTA. PASSÁMOS.
NÃO FOMOS. ÉRAMOS.
OUTROS PÉS, OUTRAS MÃOS,
OUTROS OLHOS.
MAS APRENDI MUITO MAIS
COM A GRANDE MARÉ
DAS VIDAS, COM A TERNURA
VISTA EM MILHARES DE OLHOS
QUE ME VIAM AO MESMO TEMPO.
PABLO NERUDA
Ano: 2010. Local: Margem Sul do Tejo.
Nas ruas a tranquilidade própria das manhãs de domingo, ruas em que um homem vai passando a correr, homem que leva uma pequena mochila às costas, uma garrafa de água em cada uma das duas bolsas exteriores e laterais da mochila, em duas outras pequenas bolsas da mochila leva umas saquetas de gel e um telemóvel, dentro da mochila vai um impermeável, uma garrafa de água, algumas moedas…
O homem adora estas manhãs de domingo, durante nunca menos que 2 horas, geralmente 2h20 a 2h30, por vezes um pouco mais, o homem corre, sempre sozinho, nem mesmo a música que por vezes lhe faz companhia quando corre, o acompanha nestas manhãs de domingo, por vezes enquanto corre o homem pensa nas suas meninas, que como quase sempre em manhãs iguais a esta, ainda dormiam à hora em que ele tinha saído para correr, em pouco mais o homem pensa enquanto corre.
O homem olha agora o mar, também a cidade ainda menina estendida a seus pés, durante alguns segundos delicia-se com aquela magnífica vista, pouco depois de ali ter chegado o homem que nesse tempo nunca parou de correr, retoma o caminho por onde tinha vindo, aumenta ligeiramente o ritmo da sua corrida, o percurso sempre a descer também ajuda a isso, as palavras de Neruda ali tão perto, sempre presentes, sempre vivas na sua memória.
Em pouco tempo o homem corre agora no coração da cidade que há minutos tinha acabado de contemplar, ruas carregadas de boas recordações para o homem.
O homem agora está bem perto do mar, pisa a areia solta da praia, os seus olhos saboreiam quase avidamente o mar revolto, sente na pele o mês de Janeiro.
Enquanto continua a correr o homem olha o areal da praia, olha também para o relógio que leva colocado no pulso, verifica que está a correr a 1h15, resiste à tentação de continuar a correr junto ao mar e toma a direcção da estrada, tenta aumentar o ritmo da sua corrida, redobra a atenção aos carros com que se vai agora cruzando frequentemente, passam vários grupos de ciclistas, sucedem-se as entradas nas muitas praias existentes, depois de alguns quilómetros sente que a estrada começa a inclinar-se, o homem olha em frente, sente vozes vindas de trás, pouco depois começa a ser ultrapassado por ciclistas que seguem à sua direita.
Chega ao cimo da subida, a curva para a direita, o homem tenta recuperar do esforço da subida, olha mais uma vez em frente, estrada ladeada de ambos os lados por muito verde, cruza-se com mais dois ciclistas, olha de novo o relógio, 1h50 de corrida, o verde dá lugar a uma variedade de cores das casas que ladeiam a estrada em que o homem agora corre, aumenta o número de carros com que se cruza, chega às duas horas de corrida, aproveita a descida para aumentar o ritmo da corrida, de novo o verde a ladear a estrada, os quilómetros a sucederem-se, mais uma subida, curta mas íngreme, 2h15, últimos quilómetros de corrida já perto de casa, o homem olha o relógio que marca 2h30, carrega num botão e o tempo pára de contar, pára também ele de correr...
Nota) A foto deste post é da autoria de Isabel Almeida, de Fevereiro de 2009, Monumento "Mil Olhos" - Miradouro do Convento dos Capuchos, na Caparica.