sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Natal Futuro.

Véspera de Natal de um qualquer ano futuro, pelas frestas de uma persiana de um quarto entram de mansinho os primeiros raios do dia, numa cama está o homem deitado, ao seu lado está a mulher, a mente do homem invadida pelas recordações das muitas manhãs em que se levantou e saiu porta fora correndo livremente pelas ruas, manhãs não passadas há muito tempo mas tão, tão distantes que parecem apenas e só fruto da imaginação do homem, mas não, o homem sabe bem o quanto elas foram reais.
Como um autómato o homem levanta-se e deambula pela casa, dirige-se à sua máquina de correr e permanece ali algum tempo parado, volta a deambular pela casa, da ombreira do quarto do casal olha o vulto da mulher que permanece deitada, pelo som da respiração percebe que dorme ainda, nova deambulação, entra no quarto da filha, pára junto da cama e olha por algum tempo a filha que igualmente dorme. O homem volta depois a deambular pela casa, passado algum tempo decide equipar-se, de seguida volta ao quarto, seu e da mulher, depois volta de nove ao quarto da filha…
Já com a porta de casa aberta hesita em dar o passo seguinte, pensa nas duas pessoas que na casa ainda dormem mas esse pensamento não o impede, antes pelo contrário quase o impele a transpor de vez a porta. Porta transposta, ouve o barulho da rotação que a câmara faz ficando bem de frente para si, olha-a fixamente, depois desce as escadas que o levam à rua.
Já na rua faz alguns exercícios de aquecimento, a câmara localizada mais perto da zona onde está vai girando à medida que o homem se vai movimentando, olha-a sem medo, desafiando-a.
Começa lentamente a correr, saboreia aquele momento há tanto tempo desejado, tempo demais, as poucas pessoas com quem se vai cruzando vão-se afastando e vão-lhe deitando olhares de soslaio.
Sabe que não terá muito mais tempo mas está decidido a tirar o máximo dos minutos que conseguir continuar a correr sem que o impeçam de o fazer, aumenta o passo ensaiando uma fuga anunciada e que sabe-a condenada ao fracasso, sente no rosto o ar frio de Dezembro e saboreia avidamente essa sensação como se fosse a primeira vez…
As muitas câmaras dos locais por onde vai passando vão rodando na sua direcção, ignora-as, não pensa no que virá a seguir, sente-se livre, livre como há muito não se sentia e isso faz renascer o homem, sem medo do que poderá ter que enfrentar…
Corre agora o homem ladeado por árvores, sente o cheiro intenso da terra orvalhada, aspira profundamente o ar que o rodeia, inclina ligeiramente o tronco para a frente, embala na descida, sente o chão a fugir debaixo dos pés, voa, cada vez mais alto…
Muito ao longe ouve a voz da mulher, também a da filha, abre os olhos, como que impulsionado por uma mola salta da cama, beija e abraça a mulher e a filha, diz que vai correr, equipa-se rapidamente e em três tempos está na rua a correr, saboreia cada metro daqueles mais de 20 quilómetros que corre depois como há muito não o fazia…

4 comentários:

.JOSÉ LOPES disse...

Esse sonho parece o tema de um livro que li há anos de George Orwell - 1984.Que cada vez mais se torna real.Todos sabem onde estamos ou estivemos.

Bom Natal
E um ano 2014 cheio de coisas boas para ti e toda a família.
Boas corridas
cumps
J.Lopes

Unknown disse...

Feliz Natal António !!! Excelente 2014 !!!

Alexandre Duarte disse...

Bem António, é raro visitar este teu cantinho, mas quando o faço fico de muito satisfeito com os belos textos que aqui vais deixando. Este está particularmente feliz. Que prazer e ligação retirei dele. Identifico-me com as palavras e o espírito. Gostei muito António! Grande Abraço

MsHarkins disse...

Parabéns, saudades dos teus escritos! MsHarkins